Nunca achei que isto fosse acontecer: eu defender a Rússia em qualquer assunto relativo ao esporte.
Antes que eu seja cancelada, vamos aos contextos.
Poucos dias depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, no início de 2022, a maior parte do mundo esportivo baniu o país e Belarus —seu aliado na guerra— de competições esportivas.
Fifa e Uefa proibiram times de futebol dos dois países de participarem de seus torneios; o Comitê Olímpico Internacional (COI), dos Jogos Olímpicos; federações internacionais seguiram o mesmo exemplo. E por aí vai.
A suspensão já está mais leve em alguns esportes e nas Olimpíadas, que permitem que esses atletas compitam como neutros, ou seja, não podem exibir a bandeira de seus países nem ouvir o hino ao ganharem medalha de ouro. É o caso do tênis: a número um do mundo, Aryna Sabalenka, por exemplo, é de Belarus e segue nas quadras.
Agora, há um plano de paz e um cessar-fogo em negociação. Assim que a guerra acabar, pode apostar: todos vão ter que mexer nesse vespeiro. E existe uma grande possibilidade de que Rússia e Belarus retornem de vez.
O presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, já disse que, com o fim do conflito, os jogadores serão readmitidos em competições europeias, dando a entender que a Fifa fará o mesmo. Ao assumir o cargo, a nova presidente do COI, Kirsty Coventry, falou que não baniria países dos Jogos Olímpicos por causa de guerras, já deixando a porta meio aberta.
Até no atletismo, um dos esportes mais rígidos com a Rússia, o presidente da World Athletics, Sebastian Coe, disse que russos e belarussos seguem fazendo testes antidoping “em antecipação a uma eventual paz.”
Nesta semana, a Federação Internacional de Judô voltou a permitir que atletas russos compitam sob sua bandeira. Em setembro, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) readmitiu os dois comitês nacionais, sob protesto de mais de 30 países.
O presidente do IPC, o brasileiro Andrew Parsons, alegou que existem cada vez menos evidências de que o esporte esteja sendo usado para a promoção da guerra. Rússia e Belarus só não estarão nas Paralimpíadas de Inverno de Milão-Cortina, em março, porque não há tempo de disputar eventos classificatórios ou porque federações internacionais mantiveram o banimento.
Mas o ponto principal de toda essa discussão está em outra declaração de Parsons: por que só Rússia e Belarus? Existem muitos conflitos ao redor do mundo e ninguém mais foi suspenso.
Eu defenderia a Rússia ser banida para sempre pelo abominável esquema estatal de doping que começou em 2010 e foi mostrado em parte no documentário “Icarus“. Também acho podre o sportswashing de Vladimir Putin e outros regimes autoritários, que usam conquistas de seus atletas para tentar limpar a imagem de seus países. Gestores esportivos não podem ficar inertes diante das tristes imagens de 800 instalações esportivas destruídas na Ucrânia pelos russos ou com a morte de atletas no conflito.
No entanto, se o único critério para um banimento for uma guerra, e se ela acaba, a suspensão também deve acabar. Ou todos são punidos ou nenhum. De alguma forma, já existe uma ética seletiva em prática.
Se queremos ser justos com todos, não dá para escolher só um para pagar o preço —mesmo que este seja a Rússia.

