Mesmo com apenas de seus quatro representantes na semifinal, o Fluminense, os clubes brasileiros deixarão o Copa do Mundo de Clubes da Fifa com um conceito internacional melhor do que tinham quando começou o torneio. Analistas estrangeiros corroboram o que os números demonstram desde a primeira fase.
Ao mesmo tempo, a versão expandida da competição, inaugurada neste ano, permanece alvo de críticas, desconfiança ou o desdém por parte sobretudo dos europeus –que, apesar disso, jogaram o Mundial com todos os seus clubes classificados e provavelmente jogarão novamente se outro houver. A explicação do aparente paradoxo é o dinheiro grosso envolvido na operação, com prêmios vultosos e a Arábia Saudita como patrocinadora bilionária a garantir tudo.
As vitórias do Botafogo sobre o PSG, do Flamengo para o Chelsea e do Fluminense diante da Inter de Milão e do Al-Hilal (que eliminara o Manchester City) coroaram a volta por cima brasileira na repaginada competição, na qual desde o início da década passada os clubes do país acumulavam fracassos contra os europeus.
Até os feitos de agora nos EUA, a última vitória de um brasileiro sobre um rival do Velho Continente na competição tinha sido em 2012, quando o Corinthians bateu o Chelsea na final.
“Fiquei bem impressionado com os resultados positivos dos clubes brasileiros. Ao menos na Europa, a reputação deles tinha decaído bastante após os resultados ruins dos últimos anos na ‘antiga’ Copa do Mundo de Clubes. Também foi reconfortante ver que os clubes europeus gananciosos não roubaram todos os melhores jogadores brasileiros”, disse à Folha o jornalista e comentarista esportivo britânico Keir Radnedge, que cobriu 14 Copas, é autor de 36 livros sobre futebol e ex-editor da revista World Soccer.
Técnico do PSG, campeão da Champions League, o ex-jogador Luis Enrique encheu o Botafogo de elogios depois de perder do time carioca na primeira fase. “Foi o time que melhor se defendeu contra a gente em toda a temporada, tanto na nossa liga [francesa] quanto na Champions.”
Segundo a ex-jogadora americana Tobin Heath, integrante do Grupo de Estudos Técnicos da Fifa para o Mundial, os brasileiros foram uma boa surpresa para o colegiado. Bicampeã mundial e bicampeã olímpica pela seleção dos EUA, ela admitiu que os membros do grupo esperavam um maior domínio europeu e mencionou o Flamengo como uma novidade, “com sua excelente retenção de bola e estilo de ataque variado”.
Para o jornalista e escritor escocês Andrew Downie, que viveu por 20 anos no Brasil e hoje mora em Madri, os brasileiros “saem melhor [do Mundial] sim, porque levam isso mais a sério, e os resultados falam por si”.
Autor de uma biografia de Sócrates e prestes a terminar uma de Pelé, Downie pondera: “Mas não muda nada a meu ver. Não vai ter menos jogadores brasileiros indo para a Europa, ou mais europeus chegando no Brasil. O Campeonato Brasileiro não vai ser mais forte ou mais organizado porque os quatro times brasileiros chegaram às quartas”.
Além do calendário desta vez desfavorável aos europeus –em final de temporada, enquanto os brasileiros estão no início, o inverso das últimas edições do torneio–, o calor tem sido apontado como uma vantagem para os dos trópicos. Técnicos como Enzo Maresca, do Chelsea, e Pep Guardiola, do Manchester City, se queixaram das altas temperaturas, que prejudicam os treinos e debilitam os atletas durante as partidas.
E há, claro, a nítida evolução (financeira, profissional e técnica) dos clubes brasileiros nos últimos anos, sobretudo Flamengo e Palmeiras, os mais ricos e organizados. A injeção recente de dinheiro no futebol nacional, com os milhões despejados pelas bets e a proliferação das SAFs, fez a revista The Economist prever, em reportagem recente, que o Brasil poderia ser terreno para uma próxima Premier League, a liga inglesa, a mais valiosa do mundo.
Seja como for, o novo Mundial de Clubes permanece vidraça de pedradas poderosas. As queixas ouvidas por quem disputa o torneio nos EUA são sussurros perto da chiadeira de outros atores importantes. O alemão Jurgen Klopp, ex-técnico do Liverpool e do Borussia Dortmund e hoje executivo de futebol da Red Bull, fez algumas das mais duras críticas públicas ao Mundial de Clubes, ao defini-lo como “a pior ideia já implementada no futebol”.
O presidente da Liga Espanhola, Javier Tebas, é ferrenho opositor do torneio desde que o novo formato foi anunciado. Alegando sobrecarga para os atletas e falta de datas no calendário, o cartola tem dito que fará o que for possível para impedir que ocorra uma nova edição daqui a quatro anos, como planejado.
Por ora a oposição parece ser inócua. Se por um lado o sindicato dos jogadores (FIFPro) já ameaçou greve e levou à Comissão Europeia uma queixa contra Fifa, na prática é esta última quem continua a definir o calendário mundial.
Como afirma um especialista em gestão e direito esportivo que transita nas altas rodas do futebol e falou com a reportagem sob a condição de anonimato, existe um princípio no sistema esportivo de que se um clube não joga uma competição oficial, não pode jogar as outras; não pode, portanto, escolher o que joga, tem que participar do calendário oficial das competições.
Quanto à queixa do calendário, a Fifa tem dito que são no máximo sete jogos a mais a cada quatro anos e rebate o argumento de que se não houvesse o torneio, os jogadores europeus estariam agora de férias. Na verdade, alega, a Copa de Clubes veio substituir a Copa das Confederações, que também acontecia a cada quatro anos.
Pelo raciocínio, como se trata de clubes de alto nível, é provável que boa parte dos jogadores que estão nos EUA estivessem defendendo suas seleções na agora extinta Copa das Confederações.
O pragmatismo político-econômico indica que, na queda de braço, os queixosos devem perder. A premiação do Mundial de Clubes, US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões), é atrativa até para os gigantes europeus. Quem está pagando a maior parte da conta é a Arábia Saudita, atual parceira preferida da gestão Gianni Infantino.
Um dos maiores patrocinadores do torneio nos EUA é o PIF (Public Investment Fund), o fundo soberano da monarquia saudita. O valor da cota não foi divulgado, mas sabe-se que apenas pelos direitos de transmissão o fundo pagou US$ 1 bilhão à Fifa (R$ 5,4 bilhões), via DAZN, empresa que por sua vez recebeu investimento de outro US$ 1 bilhão do Surj, braço esportivo do PIF.
Em meio a essa rentável parceria, a Fifa anunciou a Arábia Saudita como sede da Copa do Mundo de 2034. Pouco antes, o regime havia comprado o controle de quatro clubes do país, inclusive o Al-Hilal, maior surpresa do Mundial ao eliminar o Manchester City.
Por isso, conhecedores dos intestinos do futebol têm certeza de que, até pelo menos 2034, o novo formato do Mundial de Clubes estaria garantido. Para os sauditas, apesar da conta alta, é um grande negócio, uma chance de associar uma imagem positiva a um país em que a homossexualidade é crime, os direitos humanos (sobretudo das mulheres) engatinham e cujo príncipe e primeiro-ministro, Mohammad bin Salman, é acusado de ter mandado esquartejar um jornalista.
Parece ser parte da realpolitik do jogo. Em referência aos seus compatriotas, mas numa previsão facilmente adaptável ao mainstream da bola como um todo, o comentarista Keir Radnedge é ferino sobre o futuro do Mundial: “Enquanto o dinheiro estiver lá, os clubes ingleses também estarão”.