quarta-feira 22, janeiro, 2025 - 8:36

Saúde

Carga viral indetectável: o que significa o termo na luta contra o HIV

Em 2012, a poeta e cineasta Marina Vergueiro, de 41 anos, descobriu que tinha contraído

image_printImprimir


Em 2012, a poeta e cineasta Marina Vergueiro, de 41 anos, descobriu que tinha contraído o vírus HIV. Alguns meses depois, a carga viral dela era indetectável, ou seja, a quantidade de vírus circulando no sangue era tão pequena que exames foram incapazes de determiná-la. Em 2017, após um consenso científico, veio uma boa notícia: estando indetectável, o vírus não poderia ser transmitido.

Embora o HIV siga incurável, ele já não é responsável por tantas mortes como no início dos anos 1980. As informações sobre a transmissão do vírus, a adoção de métodos para evitá-lo e os tratamentos para debelá-lo sofreram avanços notáveis de lá para cá. O que ainda persiste como um inimigo resistente à luta contra a aids é a sorofobia, o preconceito.

O vírus HIV é considerado indetectável no paciente quando há menos de 50 cópias dele circulando a cada ml de sangue analisado. Esse é o status de 85% das pessoas que estão em tratamento no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) distribui gratuitamente os remédios para controle do vírus e há várias opções para serem usadas no tratamento.

“Ter um diagnóstico rápido e iniciar o tratamento imediatamente é fundamental para se tornar indetectável o mais rápido possível”, explica o infectologista Celso Granato, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML). “Quanto menor a carga viral inicial, mais rápido se chega ao nível indetectável. Pacientes que são diagnosticados cedo e começam o tratamento logo podem chegar a esse nível em apenas um mês. Quem não consegue, demora mais para alcançar esse estágio”, resume.

Falta de acesso para o tratamento

Segundo os dados do último boletim epidemiológico sobre o HIV no Brasil, divulgados em 3 de dezembro pelo Ministério da Saúde, duas de cada dez pessoas que receberam o diagnóstico positivo para o vírus no Brasil não estão fazendo o tratamento e permanecem com o vírus ativo no organismo.

O percentual de pessoas que inicia o tratamento na mesma semana que recebe o diagnóstico, cenário considerado ideal, representa 42% dos infectados. Cerca 5% só começam o tratamento seis meses após o diagnóstico.

O diretor geral da Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil, Beto de Jesus, considera que o atraso no diagnóstico e tratamento reflete exclusões sociais sistêmicas do Brasil. “Nos últimos 40 anos, o tratamento de HIV avançou drasticamente. Mas ainda há dificuldades para o diagnóstico e o tratamento de pessoas empobrecidas e com piores condições de trabalho, de vida e de moradia. Via de regra, as pessoas LGBTQIA+ que são negras e periféricas costumam sofrer muito mais com essa exclusão”, resume o especialista.

13 imagens

A baixa imunidade permite o aparecimento de doenças oportunistas, que recebem esse nome por se aproveitarem da fraqueza do organismo. Com isso, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a aids

Os medicamentos antirretrovirais (ARV) surgiram na década de 1980 para impedir a multiplicação do HIV no organismo. Esses medicamentos ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico
O uso regular dos ARV é fundamental para aumentar o tempo e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV e reduzir o número de internações e infecções por doenças oportunistas
O tratamento é uma combinação de medicamentos que podem variar de acordo com a carga viral, estado geral de saúde da pessoa e atividade profissional, devido aos efeitos colaterais
Em 2021, um novo medicamento para o tratamento de HIV, que combina duas diferentes substâncias em um único comprimido, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
1 de 13

HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da aids, ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. Os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe, como febre e mal-estar. Por isso, a maioria dos casos passa despercebida

Getty Images

2 de 13

A baixa imunidade permite o aparecimento de doenças oportunistas, que recebem esse nome por se aproveitarem da fraqueza do organismo. Com isso, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a aids

Anna Shvets/Pexels

3 de 13

Os medicamentos antirretrovirais (ARV) surgiram na década de 1980 para impedir a multiplicação do HIV no organismo. Esses medicamentos ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico

Hugo Barreto/Metrópoles

4 de 13

O uso regular dos ARV é fundamental para aumentar o tempo e a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV e reduzir o número de internações e infecções por doenças oportunistas

iStock

5 de 13

O tratamento é uma combinação de medicamentos que podem variar de acordo com a carga viral, estado geral de saúde da pessoa e atividade profissional, devido aos efeitos colaterais

iStock

6 de 13

Em 2021, um novo medicamento para o tratamento de HIV, que combina duas diferentes substâncias em um único comprimido, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Hugo Barreto/Metrópoles

7 de 13

A empresa de biotecnologia Moderna, junto com a organização de investigação científica Iavi, anunciou no início de 2022 a aplicação das primeiras doses de uma vacina experimental contra o HIV em humanos

Arthur Menescal/Especial Metrópoles

8 de 13

O ensaio de fase 1 busca analisar se as doses do imunizante, que utilizam RNA mensageiro, podem induzir resposta imunológica das células e orientar o desenvolvimento rápido de anticorpos amplamente neutralizantes (bnAb) contra o vírus

Arthur Menescal/Especial Metrópoles

9 de 13

Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças aprovou o primeiro medicamento injetável para prevenir o HIV em grupos de risco, inclusive para pessoas que mantém relações sexuais com indivíduos com o vírus

spukkato/iStock

10 de 13

O Apretude funciona com duas injeções iniciais, administradas com um mês de intervalo. Depois, o tratamento continua com aplicações a cada dois meses

iStock

11 de 13

O PrEP HIV é um tratamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) feito especificamente para prevenir a infecção pelo vírus da Aids com o uso de medicamentos antirretrovirais

Joshua Coleman/Unsplash

12 de 13

Esses medicamentos atuam diretamente no vírus, impedindo a sua replicação e entrada nas células, por isso é um método eficaz para a prevenção da infecção pelo HIV

iStock

13 de 13

É importante que, mesmo com a PrEP, a camisinha continue a ser usada nas relações sexuais: o medicamento não previne a gravidez e nem a transmissão de outras doenças sexualmente transmissíveis, como clamídia, gonorreia e sífilis, por exemplo

Keith Brofsky/Getty Images

Exclusão que prejudica o tratamento

Apesar de viver em um bairro privilegiado e de ter acesso à informação sobre saúde, o diagnóstico de Marina foi tardio. “Estava me sentindo muito mal e fui internada em um hospital em 2012. Por mais remédios que tomasse, só piorava. Foi quando um exame detectou o HIV. Minha carga viral já estava bastante alta e a minha quantidade de linfócitos baixa”, relembra.

No caso dela, o medo de fazer o teste do HIV tinha permitido que a doença evoluísse. “Sempre me protegi e achava que tinha uma vida de pouco risco. Mas uns anos antes, no meu primeiro namoro sério, deixei a camisinha de lado. Hoje sei que deveríamos ter feito testes disso, mas eu, na verdade, não imaginava que isso aconteceria comigo”, reconhece.

Marina iniciou imediatamente o tratamento contra a doença e conquistou o status de indetectável meses depois. Entretanto, permaneceu por anos com dificuldades de se relacionar afetivamente. “Usei a poesia, a arte para escapar disso, para entender que poderia ser acolhida”, lembra.

Uma poesia de Marina sobre a luta dela contra o HIV viralizou na web na última semana ao ser interpretada pela atriz Bruna Linzmeyer. O texto reflete a jornada de superação vivida pela cineasta na luta contra o vírus. A pacificação definitiva só veio em 2017, quando ela soube que o diagnóstico de indetectável representava que ela era incapaz de transmitir o vírus.

“O preconceito e a discriminação começaram no dia que recebi o diagnóstico. Quando a gente sabe que tem o vírus, inevitavelmente, entra em um quadro de depressão. A sociedade nos afasta, nos enche de preconceitos, de fake news. A gente passa a sentir que não pode mais amar, nem sentir prazer. Então, imagina o alívio que foi descobrir que “os indetectáveis” não transmitem o vírus”, afirma.

Na segunda-feira (9/12), Marina lançou um performance contra o preconceito chamada de Clube do Carimbo. No vídeo, o corpo dela é carimbado com as frases que ela sempre tem de reproduzir: “Pessoas que vivem com HIV, em tratamento, não transmitem o vírus!”, “Não pega!” e “Não passa!”.

Estar indetectável é estar curado?

O status de indetectável é uma grande conquista do tratamento, mas ele não representa a cura. Os medicamentos impedem que o vírus se multiplique, o que poderia adoentar o indivíduo e infectar outras pessoas.

Entretanto, o HIV é um vírus altamente resistente, capaz de esconder cópias de suas informações genéticas dentro de cromossomos das pessoas soropositivas, o que impede que as defesas do corpo o detenham. Essa é uma das particularidades do vírus que mais dificultam a descoberta de uma cura para a condição.

Por isso, as pessoas com HIV indetectável ainda possuem algumas restrições de saúde: precisam manter o tratamento de forma contínua, não podem doar sangue e as mães com o vírus não podem amamentar, já que o leite materno é potencialmente contaminante para o bebê.

De quanto em quanto tempo é feito o exame periódico?

O Ministério da Saúde recomenda realizar exames de CD4 e carga viral de três a quatro vezes por ano. Essa frequência ajuda a identificar possíveis resistências aos medicamentos. Esses exames são oferecidos gratuitamente pelo SUS aos pacientes em tratamento.

Já para a população em geral, a periodicidade dos testes diagnósticos varia de acordo com as práticas sexuais. Caso aconteça exposições sexuais de risco como o sexo sem uso de preservativo ou uma violência sexual, é recomendado buscar serviços de saúde para testagem e PEP (profilaxia pós-exposição) em 72 horas. Os medicamentos entregues ajudam a diminuir o risco de contágio do HIV.

Em pessoas com frequentes exposições de risco, como homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e trabalhadores do sexo, é recomendada a testagem regular a cada 4 meses e o uso da PrEP (profilaxia pré-exposição). Estes medicamentos tomados regularmente também diminuem o risco de contágio do HIV.

Fora dessas circunstâncias, é recomendada a testagem rápida para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) na população sexualmente ativa anualmente.

Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!





Fonte da Notícia