Transferências de jogadores: valores recordes e desigualdade – 05/09/2025 – Marina Izidro
Em um dia de inverno em 1979, torcedores, jornalistas e curiosos cercaram um carro que parou na porta do Nottingham Forest, na elite do futebol inglês à época. De dentro saiu um homem de terno e gravata, chamado Trevor Francis, que entrou para a história do esporte na Inglaterra. Ao lado do treinador, o lendário Brian Clough, Francis foi apresentado como o primeiro jogador britânico a ser comprado por £ 1 milhão.
Na entrevista coletiva, perguntaram se tanto dinheiro seria um peso na carreira. “Espero que não. Quando entrar em campo preciso esquecer disso”, falou. Meses depois, marcou o gol da vitória do Forest na final da antiga versão da Liga dos Campeões.
Mais de 46 anos depois, as cifras catapultaram. O fim da janela europeia nesta semana foi marcado pela grandiosidade: o Liverpool comprou Alexander Isak, do Newcastle, por £125 milhões (R$ 920 milhões), transferência mais cara da história do futebol inglês, e bateu o recorde de investimentos em jogadores, com mais de £ 400 milhões (R$ 2,9 bilhões).
Clubes da Premier League gastaram £ 3,1 bilhões (R$ 22,7 bilhões), algo que nunca tinha acontecido. Fica fácil responder por que o futebol europeu é tão superior ao brasileiro: é a economia, estúpido! Mas esse fenômeno também causa desconforto.
Clubes ingleses se sentiram à vontade para gastar tanto porque têm um novo e lucrativo contrato de transmissão de TV; seis estarão na Champions e outros três em outras competições europeias; Manchester City e Chelsea ganharam, respectivamente, £ 40 milhões e £ 80 milhões (R$ 290 milhões e R$ 580 milhões) na Copa do Mundo de Clubes. Grandes transferências, como a de Isak, foram entre clubes da Inglaterra e o dinheiro circulou internamente.
No caso do Liverpool, também é fruto de gestão eficiente, grandes contratos de patrocínio, premiações e vendas de jogadores que equilibraram as contas.
Só que esses números também escancaram o abismo entre a Premier League e as ligas de Alemanha, Espanha, França e Itália.
Em valores líquidos, £1,2 bilhão (R$ 8,8 bilhões) foi o que se gastou na Inglaterra, ante £ 157 milhões (R$ 1,1 bilhão) no Campeonato Alemão, em segundo lugar. É mais do que as outras quatro ligas somadas.
Clubes de meio de tabela na Premier League hoje conseguem comprar jogadores de times grandes da Europa, mas isso não vai deixar o campeonato mais equilibrado. Eles ainda estão muito distantes de gigantes como Liverpool, Arsenal e Manchester City. Como todos querem o máximo de receita possível em dias de jogos, entradas estão cada vez mais inacessíveis. Dos 20 clubes da liga, 13 aumentaram o preço de ingressos para sócios-torcedores neste ano.
Críticos mais saudosistas têm falado por aqui como a conexão entre atleta e torcida vai se perdendo. Com tantos empréstimos e vendas, quanto há de envolvimento emocional se o jogador pode nem estar mais lá na temporada seguinte?
Se o Liverpool é tão eficiente em sua gestão, bom para ele. Mas, ao mesmo tempo em que é exemplo, o desequilíbrio causado por tanto dinheiro acaba não sendo ideal para o esporte. E incomoda.
Potências esportivas não gostam de ficar para trás (vide a tentativa da Superliga, clubes que não disputaram a Copa do Mundo de Clubes irritados).
O futebol pode acabar virando a vítima do próprio sucesso.
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