Palmeiras celebra 50 anos da maior derrota do Corinthians – 21/12/2024 – Esporte
Os relatos sobre a final do Campeonato Paulista de 1974 são mais sobre a ultradolorosa derrota do Corinthians do que sobre a vitória do Palmeiras —o que torna o triunfo saborosíssimo para os alviverdes.
O significado daquele jogo, há 50 anos, em 22 de dezembro, pode ser resumido no pensamento do craque de cada time. “Foi o título mais marcante de toda a minha carreira”, disse, várias vezes, Ademir da Guia. “Foi a maior tristeza da minha vida”, repetiu, outras tantas, Rivellino.
Aquele Palmeiras, conhecido como Segunda Academia, era um grande time, campeão paulista e brasileiro em 1972, novamente vencedor do Campeonato Brasileiro em 1973. O Corinthians não ganhava um título relevante desde o Paulista de 1954, duas décadas de sofrimento nas quais a torcida só cresceu, ansiosa pela catarse da esperada glória.
Era uma decisão que girava em torno dessa expectativa, uma época na qual se popularizou nos bares de São Paulo a plaquinha “fiado só quando o Corinthians for campeão”. O título, em si, claro, tinha importância grande –vencer o Paulista era sempre a prioridade da temporada–, mas seria mais um na década para o Palmeiras. Para o Corinthians, era muito mais.
A Folha publicou no dia do primeiro jogo da final um caderno de 20 páginas intitulado “Coríntians campeão do povo”. Havia entrevistas com múltiplas figuras históricas do clube, cujo nome ainda era aportuguesado pela imprensa, que ainda hoje insiste em chamar corinthianos de corintianos.
Antonio Pereira, um dos cinco fundadores de 1910, exibia suas lembranças e sua ansiedade. Neco, o maior ídolo, recordava os 20 anos em que vestiu a camisa preta e branca com seu puro amor. A edição tinha também as impressões de outros dois grandes craques alvinegros, Luizinho e Teleco, do pai de santo Jaú, que atuara como zagueiro da equipe, de torcedores anônimos e famosos, como Elisa e Chico Mendes, e de personagens da própria final de 1974.
Um deles era Rivellino.
“Precisamos ser campeões. Eu preciso ser campeão pelo Corinthians, a torcida precisa do título. Só assim estarei realizado como homem e jogador de futebol”, afirmou.
O caderno começava com o texto “Com o time do Coríntians entram em campo hoje a ciência, todos os santos e uma história de 20 anos”.
“Os corintianos formam uma estranha confraria barulhenta, alegre em busca dos sonhos e do futuro, do título esquecido vinte anos atrás. As bandeiras são muitas e enormes, quase do tamanho do fanatismo de cada corintiano – esse mal explicado personagem que consegue continuar sobrevivendo (depois da era Pelé) às derrotas e ao triste destino de gostar de um clube permanentemente envolvido em crises políticas”, dizia a reportagem inicial.
O campeonato começou a ser decidido na quarta-feira (18), no Pacaembu, um empate por 1 a 1 com gols marcados logo no início do jogo, pelo alviverde Edu e pelo alvinegro Lance. Na partida de volta, não existia vantagem do empate. Em caso de igualdade, haveria prorrogação e, por fim, pênaltis.
Só não se sabia onde o duelo de domingo seria realizado, uma indefinição mantida até a sexta-feira, já com grandes filas formadas nos pontos de venda. Por uma renda maior, decidiu-se pelo Morumbi, que recebeu 120 mil torcedores, dos quais 100 mil estavam vestidos de preto e branco.
“Na hora em que entramos em campo, tinha uma partezinha assim, nossa, de palmeirenses. Na hora em que entrou o Corinthians, eu via tudo aquilo… É de arrepiar, é de arrepiar. Eu, se estou em um time desses, corro até mais. Mas existia um porém. A equipe do Palmeiras era superior, já vinha sendo campeã fazia uns anos”, afirmou o zagueiro Luís Pereira.
A partida foi disputada em um campo enlameado, que acabara de ser plantado. As chances de gol foram limitadas, e apenas uma delas foi aproveitada, aos 25 minutos do segundo tempo, quando Rivellino levou uma entrada dura de Luís Pereira. Escalado uma hora e 15 minutos antes do jogo, em sorteio que tinha também os nomes de Armando Marques, José Favilli Neto e Romualdo Arppi Filho, Dulcídio Wanderley Boschilia nada apitou.
Luís Pereira chegou a consolar Rivellino, que era seu amigo, com tapinhas na cabeça, e observou, feliz, a sequência da jogada. Jair Gonçalves cruzou da direita, Leivinha ganhou a disputa de cabeça com Brito (o zagueiro campeão do mundo com a seleção em 1970), e Ronaldo venceu o goleiro argentino Buttice.
“Saí correndo como um menino. Eu me ajoelhei, vibrei muito. Não consigo comparar com nenhuma outra sensação que tive na vida”, disse o autor do gol, que morreu em 2020.
“Zum, zum, zum, é 21!”, cantou a minoria alviverde, em referência ao 21º ano de fila dos arquirrivais, que cumpriram o que avisara a torcedora-símbolo Elisa antes da decisão, falando sobre a possibilidade de derrota: “A gente vai enrolar as bandeiras outra vez, sair do estádio de cabeça baixa e voltar no jogo seguinte com a esperança de que finalmente vai chegar a nossa vez”.
O Palmeiras deu sequência à sua rotina de conquistas, levando de novo o Paulista em 1976. Do outro lado, Rivellino foi apontado como culpado e partiu rumo ao Fluminense, onde fez parte da equipe conhecida como Máquina Tricolor.
Campeão carioca de 1975 e 1976, é até hoje amado nas Laranjeiras. Mas nunca deixou de sofrer com o que ocorreu em 22 de dezembro de 1974, dia em que saiu andando do Morumbi, sozinho, em depressiva caminhada até sua casa, na Cidade Jardim.
O craque era adversário em um dos maiores momentos da história do Corinthians, a invasão ao Rio de Janeiro nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1976, com 70 mil alvinegros no Maracanã. E, de longe, no ano seguinte, viu Basílio provocar a catarse coletiva que não conseguiu causar, com o título paulista de 1977.
Rivellino ainda teve péssima passagem como dirigente do clube do Parque São Jorge, entre 2003 e 2004, mas recebeu depois grandes reconhecimentos. O maior deles foi um busto na sede da agremiação, inaugurado em 2014. Também em 2014, no jogo festivo inaugural do estádio do time em Itaquera, marcou o primeiro gol —de pênalti, combinado com o goleiro Ronaldo.
“Não era para eu ser campeão pelo Corinthians. Preciso aceitar isso”, disse ele, que jura ter celebrado bastante o título de 1977 —conquistado sob comando de Oswaldo Brandão, técnico do Palmeiras na final de 1974. “Fiquei muito feliz e aliviado. Eu sei do meu valor, do que eu fiz, do que eu representei. Ainda bem que vim jogar no Corinthians. Não me arrependo de nada.”