Não se incomode se o treinador disser que você não evolui na corrida – 05/02/2025 – No Corre


Correr era uma das atividades cotidianas de nossos antepassados, sabemos. Talvez por isso, mal aprendemos a andar, já saímos desembestados a correr como se tivéssemos visto o Coisa-ruim.

O que significa, perdão pela platitude, que sabemos correr com mais proficiência, imagino, do que caçar ou coletar frutos, atividades d‘antanho infelizmente hoje não tão acessíveis.

Mas o universo que se estruturou em torno da corrida e da atividade física, com seus especialistas, seus evangelistas e os agora “amadores profissionais”, leva a crer que essas práticas são um tanto complicadas, a exigir bulas e tutoriais.

Não são. Não é necessário ter eficiência em tudo e os riscos de uma lesão eventual não são maiores do que os do sedentarismo.

(Da mesma forma, você não precisa de um professor de ioga para praticá-lo. Achemos outro álibi.)

Com tudo isso, experimente dizer a um treinador, caso encontre algum num parque, que você corre sempre a um mesmo ritmo e não ultrapassa um certo xis de quilômetros.

Ele talvez diga que o que você faz não é exatamente correr, mas “rodar”, e que para “evoluir” na atividade será preciso sair da zona de conforto (no jargão: quebrar a homeostase) e encarar ao menos uma vez por semana um treino intervalado —em que se correm distâncias curtas (tiros) “deixando tudo”, com grande esforço cardíaco e com intervalos de descanso entre esses tiros.

Os treinadores não estão sozinhos. Emil Zatopek já treinava intervalado no final dos anos 1940.

Mas acontece que há gente que não suporta nem mesmo a mera ideia de dar “tiros”. Corrida, para alguns, não sei quantos, significa realizar uma atividade física próxima do relaxamento, algo que um coração a trabalhar a 95% é anátema.

Pois eu digo: não há nenhum problema em sempre rodar e em sempre encarar a corrida como uma forma de relaxamento. E tudo bem rodar por rodar, sem nem mesmo conhecer o próprio “pace”, o ritmo habitual, o ritmo com que a pessoa se sente confortável, como uma vez já achei necessário.

O pace é o ritmo médio de corrida, e ele portanto varia de acordo com o esforço desprendido a cada momento da atividade. Mas quando dizemos que tal pessoa corre a certo pace —seis, digamos, o que significa um quilômetro a cada seis minutos—, em geral esse é seu ritmo mais habitual, cotidiano mesmo, e superá-lo passa a ser algo que demanda algum esforço.

Mas, enfim, para que superá-lo?

Na primeira cena de seu seminal —que seria de um crítico da velha revista “Bizz” sem esse adjetivo?— “A Erva do Diabo”, Carlos Castañeda introduz ao leitor seu grande personagem, o guru Don Juan.

Eu já escrevi isso aqui, nos primórdios desta coluna. É uma cena alegórica. Visitado pelo próprio autor, Don Juan convida-o a dormir na soleira de sua porta.

Castañeda replica, não sabe como fará para pegar no sono deitado sobre o chão duro.

Don Juan lhe diz: “Descubra seu ponto”.

No caso que nos interessa aqui, ponto é pace.

Um pitaco final: a última coisa que você precisa para conhecê-lo, ponto ou pace, é um relógio.


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