Estado mínimo – 20/10/2025 – No Corre


Para quem está chegando agora ao “petit monde” da corrida, tênis minimalista é como cabeça de bacalhau: não existe, ninguém jamais viu, exceto uns matusaléns que afirmam até mesmo tê-lo levado aos pés.

Objeto de desejo no começo da década, um tanto por conta do hype do livro “Nascido para Correr”, do estadunidense Christopher McDougall, o tênis minimalista, sem amortecimento, já foi obrigatório no portfólio das grandes marcas. Eu venerava o Nike Free, que praticamente era só cabedal, primor de elegância e contenção.

A ideia por trás do calçado, sua “raison d‘être”, era simples: estimular a musculatura do pé, que faria o trabalho do amortecimento, ajudando com isso inclusive em ganhos de velocidade.

Com o correr dos anos, o conceito foi desvirtuado, e os modelos viraram tamancos, com solados muito altos, cadarços, abas, aerofólios. Era difícil, convenhamos, injetar valor agregado em algo que era mais subtração do que adição.

Há algum tempo percorro, debalde, lojas multimarcas e e-commerces atrás de um minimalista da velha cepa. Pois bem: sem nada que se assemelhasse ao Free ou a seus primos, corri um 10K na abrasiva Marginal Pinheiros, em São Paulo, descalço. Ou melhor, de meias. Falei disso há poucas semanas.

Um beatífico leitor da coluna, o Frederico Giovannetti, escreveu depois o seguinte: “Vale a pena dar uma olhada nos produtos da Fiber! Corro descalço ou com essas luvas de pé uma vez por semana. Bem legal.”

Não deu outra: em pouco tempo eu estava diante de Gustavo Dal Pizzol, CEO e fundador dessa pequena empresa gaúcha, que também atua como fabricante “private label”, fazendo tênis para terceiros –modelo bastante usual no Brasil.

A Fiber é na verdade um “spin-off” da Top Shoes, a calçadista montada por Pizzol, que disse à coluna ter dado sequência à tradição familiar. Seu pai fazia sapatos de couro, mas faliu, legando ao filho dívidas e uma certa aversão à alavancagem financeira.

Narrativas corporativas à parte, a Fiber surgiu como um estúdio de design de “vestíveis”, e começou a ganhar notoriedade na pandemia, ao produzir dois modelos de máscaras que seriam adotadas pelo Time Brasil, o grupo de atletas brasileiros que disputaram os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021.

Para os pés, o que nos importa aqui, a empresa fabrica hoje modelos “barefoot” para asfalto e trilha, além de um tênis mais convencional, de solado alto. Os preços são tentadores: de R$299,90 a R$399,90.

A principal vitrine da Fiber são as academias de ginástica e os estúdios de fisioterapia, pois seus modelos sem amortecimento garantem, de partida, mais estabilidade. Uma opção a ser considerada especialmente pelos mais velhos. As vendas são em canal online próprio, mas Gustavo diz que amarrou agora acordos com grandes varejistas como Centauro e Decathlon.

A veneranda revista The Economist publicou neste mês uma reportagem sobre a corrida descalça. De caráter mais revisionista, não há “gancho”, um fato ou fenômeno gerador a justificar o texto. Eu só consigo pensar no conceito de sincronicidade, uma vez que alguém no Brasil tratava ou estava por tratar do assunto.

A contribuição é pequena: a revista diz que os estudos científicos que atestariam menor índice de lesões entre usuários de tênis sem amortecimento são inconclusivos.


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