Copa do Mundo em um país em guerra – 23/06/2025 – Esporte
Sábado à noite e o cenário era o bar de um hotel repleto de torcedores da Copa do Mundo de Clubes, a maior parte palmeirense, em Miami. Um deles virou-se em minha direção e perguntou se podia dar a má notícia: “Parece que os Estados Unidos atacaram o Irã.”
Levou alguns segundos para processar a informação e compreender a dimensão da notícia. Não para o mundo, muito mais fácil de entender. Numa esfera muito menor, o impacto em nossa própria vida mundana: é minha primeira vez num país em guerra.
Tecnicamente, não. Porque Donald Trump, este lunático, disse não estar em guerra. Julga ser um ataque pontual. Entrou num bar, deu um soco na cara de alguém e afirmou, logo depois, que não quer brigar.
Tragicamente, há modos de pensar em outras guerras presentes em nosso dia a dia. Estava no Rio, em janeiro de 2023, quando os traficantes da Cidade de Deus decidiram atravessar a Linha Amarela, para controlar a comunidade da Gardênia Azul e tirar os milicianos de lá.
Tiroteio na avenida que liga a zona norte à Barra da Tijuca não foi tratado como noticiário nacional. Apenas carioca.
Aqui mesmo nos Estados Unidos os sinais de guerra estavam explícitos desde a chegada.
Certamente foi mais severo nos dias seguintes ao 11 de setembro de 2001, ataque ao World Trade Center, mas naquela época fazia até sentido o rigor.
Como eu não estava aqui, me surpreendi por ter sido parado e investigado na imigração, no aeroporto Internacional de Miami. Nunca tinha me acontecido antes.
Os policiais e seguranças também parecem mais ferozes do que em outros torneios internacionais, como a Copa do Mundo de 1994 e a Copa América Centenário de 2016. Uma hipótese é a lembrança da final da Copa América de 2024, em que houve invasão do estádio e confusões do lado de fora do Hard Rock Stadium.
Outra possibilidade tem nome e sobrenome: Donald Trump.
Antes de Bayern 2 x 1 Boca Juniors, os seguranças do estádio bloquearam o acesso da imprensa, sem explicação. Ao reabrir o portão, informaram que o bloqueio se deu porque os ônibus com os times estavam chegando.
Os inspetores da Fifa ali presentes se incomodaram com a maneira pouco diplomática com que a segurança agiu, porque a porta dos jornalistas não tem nenhuma relação com o percurso dos jogadores.
Houve reuniões após o incidente, para não acontecer outra vez.
Imigrantes de origens diferentes da América do Sul e México observam as mudanças. Motorista de Uber nascido na Ucrânia, Olexandr ironiza o slogan da campanha de Trump, “Make America Great Again” (faça a América grande outra vez). “O que ele quer dizer com ‘again’? É a maior economia do mundo. Como assim de novo?”
A cada sinal de falta de educação de um policial vem à memória a canção de Caetano Veloso, composta em seu exílio, em Londres. O verso de “London, London” diz: “Um grupo aborda um policial. Ele parece feliz por poder atendê-los.”
A noção exata de que é um servidor público e, como tal, tem a função de atender à população. Diferentemente disso, nesta passagem por aqui, sempre parece que estamos todos sob os olhares e a serviço dos Estados Unidos da América.