As redes e a intolerância no futebol – 28/09/2025 – Juca Kfouri


Editor de Esportes de O Globo, o jovem jornalista Thales Machado, que assina a newsletter “Que jogo é esse”, faz magnifica análise do fenômeno produzido pela Internet ao potencializar a intolerância do torcedor com qualquer derrota, mesmo quando seu time vive fase vitoriosa.

“A cultura digital é imediatista, agressiva, ansiosa. O feed pede resultado instantâneo e a timeline não perdoa recaídas. Não é mais (só) a cobrança barulhenta no portão do CT, mas uma plateia invisível que pauta dirigentes, jogadores e técnicos”, esreve ele.

O que antes era discussão de arquibancada virou julgamento em praça pública, com hashtags de acusação e memes que corroem qualquer confiança no trabalho de longo prazo.

O técnico já não discute com a imprensa: responde à sombra de uma massa difusa, que nunca se dá por satisfeita.

É a “síndrome do vencedor inconformado”: mesmo em boa fase, a cobrança assume ares de tragédia. Uma eliminação, ainda que pontual, basta para transformar conquistas recentes em miragem.

O Fluminense de Renato, eliminado da Sul-Americana, foi semifinalista do Mundial e ainda está vivo na Copa do Brasil. A sensação de que “não basta” se impõe como regra. No limite, o trabalho de um treinador passa a ser julgado não pelo todo, mas pelo tropeço mais recente —e, na lógica febril das redes, tropeço é qualquer coisa que não seja levantar taça.

A vitória virou produto, e o torcedor virou cliente. O raciocínio é empresarial. Se paguei, exijo retorno.

Caso contrário, cogito boicote, abandono, público zero.

O clube deixa de ser comunidade e vira lanchonete, onde a frustração é tratada como falha no serviço.

O ‘nós perdemos’ se dissolve em um ‘eu fui enganado’.

Não há mais pactos, só contratos. E, no contrato, a derrota é cláusula abusiva.

O técnico não aguenta mais ser questionado, o torcedor não aguenta mais perder, o clube não sabe como mediar essa relação. Todos cansados, todos culpados.

Renato, com sua saída abrupta, deu rosto a uma sensação difusa: a falência da convivência com a derrota, que sempre foi parte constitutiva do jogo.

E é aí que mora a reflexão necessária.

O futebol sempre foi feito de frustração. A alegria nasce justamente da raridade do triunfo.

Sofrer junto, rir junto, se consolar no bar ou na arquibancada: essa sempre foi a essência. O pacto nunca foi de felicidade garantida, mas de pertencimento.

Torcer é aguentar: 20 anos sem título, 90 minutos de sofrimento, a certeza de que a vida é mais perda do que ganho.

É um contrato de sofrência, e não de consumo.

O que Renato expôs, ainda que em tom amargo, é que estamos nos esquecendo disso.

Se o futebol está doente, talvez a cura esteja em recuperar essa dimensão irracional, dura e coletiva.

Aceitar que a derrota não é acidente de percurso, mas parte do caminho.

Porque, no fim, torcer é um exercício de resistência: continuar de mãos dadas mesmo quando a bola insiste em não entrar. Até que ela entre. É isso!

As conquistas não acumulam saldo. Ser campeão mundial ontem e perder o campeonato estadual hoje se equivalem, em contabilidade odiosa que chuta para longe aquilo de mais sagrado no coração do verdadeiro torcedor: o sentimento de pertencimento.


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